Um lugar vago, finalmente o achara. Sentara naquele banco e sentira pairar o silêncio por todo vagão. Ao contrário do ônibus onde é normal conversar alto com outras pessoas, no metrô esse costume não vingou. Lógico que alguns mantêm velhos hábitos, mas o metrô, desde o início, foi um verdadeiro expoente da modernidade, e com ela toda a individualidade, o charme do anonimato cosmopolita. O metrô foi um dos primeiros locais da cidade a ter escada rolante, e é impossível imaginar a grande expectativa das pessoas em torno de um invento como esse. Nos primeiros dias de operação as filas eram enormes para poder usar aquele presente da tecnologia, uma escada em que não se precisasse fazer esforço para subi-la.
E ali estava, sentado em seu banco marrom, olhando para os rostos das pessoas e para os reflexos dos rostos delas, nos vidros das janelas, sugando o que podia sugar do privilégio de ser indivíduo. As pessoas se entreolhavam sem parar, os seus olhos não paravam quietos. Em poucos minutos obtinha-se uma impressão completa de grande parte das pessoas que estavam no vagão.
Do seu lado não havia ninguém. Estava até vazio para aquele horário. Esperava que nas próximas estações mais gente haveria de se sentar, talvez ao seu lado. E tendo analisado involuntariamente cada pessoa próxima, por um momento viu-se sozinho e lembrou-se daquela música que compusera mentalmente. A música tinha um som de uma flauta e combinava com o apito do metrô quando chegava a uma estação. Mas foi intrrompido:
- Com licença.
- Ah sim. Deixou que uma moça sentasse ao seu lado.
Estranho, ela carregava consigo um caderno, e assim que sentou começou já a fazer anotações. Que palavras estará escrevendo? Ficara curioso e passou a esticar um pouco o pescoço, de modo a tentar ler suas frases. Sua cabeça quase invadia o espaço individual de ar reservado para aquele assento. Isso era perigoso. Sua visão não era boa e seu interesse por ler aquilo diminuía a cada instante em que olhava para o rosto lindo e alvo da moça. A inicial vã curiosidade, na verdade, em poucos segundos transformou-se numa vontade inexplicável de ver-se percebido por ela, que apesar de compenetrada no assunto que escrevia, não deixou de perceber os olhares para o seu caderno. Ela hesitou um pouco em responder com um outro olhar, afinal ele não tinha caderno, não era a mesma coisa olhar de volta a seus olhos.
Foi sem querer, entretanto, que desviou uma olhada rápida para ele, mas logo se envergonhou e virou o rosto. Alberto não conseguiu mais pensar em nada, e tentou segurar uma palavra que já escapara muito antes que pudesse tê-la evitado:
- Oi. - O sorriso custou a sair.
- Oi. - Respondeu.
Uma saudação curta, mas que não poderia transbordar mais sentimento, dada a frieza daqueles dois corpos. Aquilo não deveria jamais ter acontecido, era um deslize grave, um engano. Deveriam sim ter ficado apenas nos olhares como se faz normalmente todos os dias. E imediatamente perceberam a tragédia. Estavam apaixonados, amarrados, ligados para sempre, mesmo que nunca mais se encontrassem, porque sentimento não tem nem precisa de memória. Não! Não em plena atualidade dos homens passantes e bem protegidos. Deixar escapar um erro desses era imperdoável, um aprofundamento inconveniente do mistério da vida.
Podia tê-la conhecido e se apaixonado num lugar em que era permitido, numa festa, num bar com os amigos, não no metrô, nesses lugares dedicados à rotina de cada dia, isso era definitivamente um engano, uma atitude infâme. A sociedade é muito mais restritiva do que se imagina. Ele não podia ficar parado, tinha de corrigir.
Tentaria se redimir do erro levantando de seu banco e descendo na próxima estação. De certo o faria, contanto que não se despedisse. Não lhe daria nem mais um olhar, não daria mais chances. Era a única oportunidade que tinha de impedir um eventual reconhecimento num outro lugar, numa outra hora, nesses momentos em que qualquer que seja a probabilidade certos eventos sempre ocorrem. Aí sim estariam perdidos.
Desceria na próxima estação onde descansaria um pouco. Ali sim poderia sonhar com o amor que perdeu, com o rosto lindo daquela moça. Antes pudesse ver o amor distante, ,enfeitá-lo, e então se arrepender de não tê-lo vivido, do que vivê-lo, apenas vivê-lo e nem pensar nisso.
O som se inicia e abrem-se as portas, ele tão compenetrado em fugir, mal ouve o pedido dela:
- Com licença, eu desço nesta estação.
E agora? Ele não havia pensado nessa hipótese, não estava preparado. Simplesmente não tinha resposta alguma. E, por acaso deveria ter? A moça insistiu:
- Licença moço.
Alberto não podia descer com ela. Se ela fez o contrário que pensava, ele deveria fazer o contrário do contrário, já que deveriam se separar. No entanto ouve um som finíssimo, quase imperceptível. Mas que depois de ter sentido profundamente tanto amor em seu peito, mais do que sentiu em toda sua vida, entendeu tudo, tudo o que a fala dizia:
- Tchau. Disse ela quase não pronunciando o “u”.
Mais uma vez, ele sente um impulso incontrolável, afastando-o ainda mais da razão:
- Espere, eu vou com você.
Com você? Não bastava o desastre que fizera, agora a reconhecia como uma pessoa, uma pessoa mesmo. Bem, estava feito. Não havia volta. Ele, Alberto, e aquela moça, que se chamava Clara, desceram naquela e nas outras estações que ele tinha planejado passear. Dizia ela ter esquecido até para onde ia depois que conheceu Alberto, mas mais certa é a versão de que ela não iria a lugar nenhum e simplesmente não havia razão para ela ter tomado o metrô naquela hora, nem para ter pegado seu caderno e começado a escrever do lado dele.
Monday, July 24, 2006
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1 comment:
Nossa Diogo!!!! Que lindo! Eu realmente gostei desse texto! E sinceramente o parabenizo pelas palavras precisas usadas nos momentos certos... Eu acho que ainda não conheçia esse seu estilo de escrita... Eu gostei muitíssimo. Parabéns e continue assim. Anna Luísa.
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