Saturday, June 23, 2007

O mito da igualdade

É quase senso comum que o discurso em favor da liberdade (pensemos no sentido econômico, por enquanto) é próprio dos economistas do "mainstream", enquanto que pensar em igualdade é algo mais heterodoxo, de esquerda. Vejam que lia um livro do Pierre Rosanvallon, e achei uma reflexão interessante.
Bem, de fato, a desigualdade tem um papel importante no mercado. As pessoas trocam uma coisa por outra no mercado porque não são iguais, se todo mundo tivesse as mesmas coisas não haveria porque trocar. Mas como o livre-mercado seria algo que funcionaria sozinho, com mecanismos de auto-ajuste, é preciso que os agentes ajam de uma maneira autônoma, pensando em si mesmos, não nos outros.

Ou seja, a sociedade do livre mercado é uma sociedade sem os simbolismos dos contratos sociais, políticos. É um efeito mecânico, como o da física clássica, ninguém precisa concordar com nada por convencimento. As pessoas só concordariam com qualquer mudança, se nenhuma delas, ao final, fossem prejudicadas. Mas vejamos o exemplo em que alguns tem muito, muitos tem pouco. É uma situação complicada do ponto de vista social, embora eficiente no sentido econômico, pois nada pode ser melhorado sem que piore a situação de outro (a mudança nunca poderia ser consensual).
O momento em que uma pessoa passa a agir diferentemente, orientada relativamente ao que o outro pensa ou tem, o outro, há uma distorção no mecanismo de mercado, distorção da racionalidade. Ele perde sua natureza mecânico, natural e torna-se social, político. Os economistas chamam de "inveja".

Surge então o problema da equidade, ou da justiça distributiva. A única forma de fazer com que o mercado funcione, é garantindo que as pessoas tomarão decisões autonomamente, e isso se faz minimizando a possibilidade de "inveja". Logo, igualdade é uma condição necessária para a manutenção dos mecanismos "naturais" de mercado, ela mantêm os problemas de natureza política desnecessários.

A desigualdade abre caminho para a interação, e o reconhecimento do outro (alteridade?), da influência do outro na nossa existência, na nossa consciência. Dizia Marx que o homem se vê parte do gênero humano não olhando para si mesmo, mas olhando seus pares.

Por isso (voltamos ao senso comum), os ideais de igualdade têm uma natureza ambígua. De um lado todos concordamos que devemos ser iguais, mas ao mesmo tempo, que devemos ser diferentes.

É engraçado como mudando a linguagem apenas, estamos sempre nas mesmas questões.

1 comment:

A Esquesita said...

Rss, adorei seu texto! Faz muito sentido...



(não creio que se importe, mas...
estive ocupada, por isso a ausência...
)