Thursday, August 30, 2007

Cidadezinha Qualquer

"Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Êta vida besta, meu Deus." C.Drummond de Andrade


Brasas entre edifícios
Mulheres sem nem um pingo de mulheres
Ninguém a no amor pensar

Um cachorro vai vestido,
Um homem despossuído,
Um burro na TV a cantar.
Olhar... as janelas não têm tempo!

Êta vida besta

Friday, August 24, 2007

quando nasci

impossível alguém se auto-enganar por tanto tempo.
eu, que sou mais imbecil que a média, tenho também meus momentos em que abro os olhos.
o que não dá, não dá, e está feito.
o que nunca vai ser, nunca vai ser.
resta a resignação.

e ainda que eu não seja lá muito afeito às resignações, tenho-a sempre comigo em meu bolso.

e pensar que eu aceitei participar deste mundo, quando nasci, de gente que nem sente direito as coisas, que não sente intensamente, e que não enfia nunca a cabeça nas coisas, para quebrá-la...
às vezes surge uma vontade de rir disso, mas ela logo passa.

Thursday, August 23, 2007

mensagens do lixo.

Voava um folheto pelo chão que dizia que todo o tipo de sofrimento era de alguma forma padronizado. E que se podiam observar as mesmas características nos vários seres humanos. Pisei nele.

É, de fato, um golpe duro na nossa pretensão de que somos tão únicos que o peso do mundo só pesa em nossas costas, como em ninguém mais.

Sendo o sofrimento algo padronizado, como são os produtos que vemos nas gôndolas dos supermercados, é possível que nós escolhamos nos consumir nele ou não. Há uma margem. Nesta margem está a danação da (minha) vida, pobre diabo que sou.

Quando eu vi...


"quando eu vi
que o Largo dos Aflitos
não era bastante largo
pra caber minha aflição,
eu fui morar na Estação da Luz,
porque estava tudo escuro
dentro do meu coração"

Bom e velho Tom Zé.

Tuesday, August 21, 2007

O Segredo

Passei a ter, depois de assistir uns programas de TV que me informavam sobre "o segredo", uma dúvida cruel: Será que, se eu mentalizar tudo de ruim, mas mentalizar que a tal da "lei de atração" não vai acontecer, posso me safar dos pensamentos negativos?

Sim, porque é uma decorrência lógica do raciocínio deles. Se eu imaginar que "o segredo" não funciona, se eles estiverem certos, ele terá de não funcionar necessariamente. Assim anulo meu pessimismo, meu derrotismo, e eles ficam com cara de bobos.

Nenhum livro de auto-ajuda sobrevive a um teste lógico feito sob medida.

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Como é boa a vida quando assistimos o canal E!, e vemos também aquelas pessoas curtindo a vida loucamente. Dá até vontade de ser assim também. Mas como só de ver já fico satisfeito, e embreagado de tanta diversão, e de iates, volto imediatamente aos afazeres da vida chata, que ainda é mais legal que assistir E!.

Saturday, August 11, 2007

escassez

Falta muito
Ainda falta muito para o eu
Espero que haja suficiente perdão na natureza

O sabor da vida

O sabor da vida fica nas pequenas coisas. Mentira. Embora o sabor resida na triviialidade da vida, nos seu aspectos comuns a todos os seres humanos, o trivial precisa do grande.

A vida se mede em quilômetros, em décadas, em oceanos percorridos, em monstros mortos com uma espada enfiada no pescoço. Nós é que por vezes nos iludimos dizendo que não ifaz mal não realizarmos nada de importante, não povoarmos américas, não desafiar o papa, não enfrentar filas enormes de supermercado.
Mas como fazer tudo isso vivendo numa ambigüidade e numa alternância terrível entre a mesquinharia e a impotência? Se não nos julgamos capazes de fazer tudo isso de livre vontade?
Com alguma sorte seremos condenados ao degredo em alguma ilha selvagem, e sendo obrigados a sozinhos fundar um Estado, aprendamos talvez alguma coisa. Aí sim, se é grande sem querer, grande como se deve ser, e se tem uma vida propriamente dta.

Se o sabor da vida ficasse nas pequenas coisas, elas por si me satisfariam, me cansariam, tomariam conta de toda minha existência. Ao contrário, elas me fazem escasso, saudoso. Portanto só posso concluir que só é completo o que é grande, e só é grande o que é de todos, comum, é verdade, mas além de ser permitido a todos falta ainda uma martelada na cabeça, um sacrifício, uma luta. Algo que engrandece o mais vulgar dos objetivos a qualquer homem.

Tuesday, August 07, 2007

Esses Mistérios

Parto da pressuposição, uma pressuposição com bons motivos, de que há mistérios no mundo, de que há mistério no que e como as coisas acontecem na vida. Não que não seja uma ilusão acreditar nisso. Mas uma vida desmistificada, sem mistérios, é algo mais ilusório do que acreditar neles. Partindo daí, sempre começo a pensar n'algo de maior inutilidade para todos os outros, ou vocês que lêem isso, mas de extrema importância para mim. Penso qual é o maior dos mistérios, ou o mais significativo.
Diversos são os tipos: porque nossa vida aparentemente deve ter um sentido ou algum significado; depois por que passamos a acreditar nesse sentido ou a buscá-lo, ou imaginá-lo, dando a ele existência; e todas as outras coisas, como por que chegamos até onde estamos, como que somos o que somos, etc. Cada um tem escrita a sua lista de não explicáveis. É interessante ver que apenas o reconhecimento destas dúvidas já cria a dúvida em si, sem que ela seja necessária do ponto de vista lógico.

O maior deles, em minha opinião, é por que, sendo possível enxergar, ou deduzir o que acontecerá de ruim no futuro, um futuro não-desejável, nós continuamos em algumas vezes, a seguir este caminho, não por teimosia, por burrice, mas porque isto "deve ser feito". Aceitar o destino, em outras palavras. É certo que muitas das vezes, aliás, na maioria delas, nós lutamos contra ele, definitivamente, uma luta mortal, trágica. Em outros casos, esses os mais interessantes, reconhecemos nos destino terrível algo tão hipnotizante e misterioso, que vamos de encontro a ele.

Creio que seja além do principal, o mais belo mistério de todos, pois se percebe que o ser humano é ao mesmo tempo como os galhos de uma árvore, que não se sabe para onde vão crescer, e divino, pois nele há uma certeza pressuposta (num outro mundo) e, talvez voluntária, de para onde vão crescer. Essas duas coisas que fazem a vida seguir, tem feito seguir, e diante disso só resta a nossa perplexidade.

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Friday, August 03, 2007

Os meus pesadelos. (escritos autobiográficos)

Busco ainda interpretação psicanalítica para meus pesadelos. Só pude interpretar perfeitamente um sonho, numa noite que sucedeu o dia em que tinha terminado de ler "mal estar na civilização". Foi perfeito: estava lá meu pai, minha mãe, mulheres nuas, vestidos vermelhos, salas vazias, livros velhos, crianças endiabradas, criados uniformizados... uma festa. Creio que sofri do que chamei de idealização do inconsciente (algo análogo à idealização do ego), isto é, meu inconsciente, vendo que os conceitos de Freud eram muito mais interessantes que o mais confuso e sujo dos meus segredos, simplesmente recriou aqueles símbolos, ordenadamente. É um pouco decepcionante, pois ninguém espera isso do inconsciente, esta subordinação e admiração total.

Na maioria das vezes não sonho, tenho só pesadelos (diria porque sonho já demasiadamente durante o dia, e meus pesadelos não são terríveis, quer dizer, mão são violentos, cruéis. Normalmente, não riam, eles acontecem em agências bancárias, mas não presencio assaltos, não testemunho o drama de reféns caídos no chão. Meu drama é quase sempre o mesmo, tendo algumas variações de um dia para o outro.

Estou diante de um caixa eletrônico (um ATM), insiro meu cartão, e ao me pedirem a senha, eu digito normalmente só que ela é inválida (esta é a melhor síntese biográfica da minha vida e da de qualquer outra pessoa, estou convencido), e então para confirmar meus dados o computador me pergunta qual meu prato preferido, o nome do meu cachorro, minha cor preferida. Respondo todas essas perguntas uma atrás da outra até ficar extremamente angustiado com a situação. A cena se prolonga infinitamente, até eu acordar, como se as perguntas não acabassem.

Ontem, de novo, estava diante do caixa eletrônico, mas, (que surpresa!), digito a senha e ela funciona, para retirar vinte reais. Fico esperando o dinheiro vir, e como sempre faço na vida real, desejo que a máquina erre a contagem e me dê um bolo de dinheiro. Um dia poderia acontecer, acho.

o dinheiro saí e são quatro notas de cinqüenta reais. Meu desejo se realizou. Esta felicidade dura alguns instantes, mas logo vejo num extrato que surge na minha mão, que aquele dinheiro foi debitado na minha conta, e que estou negativo no banco.

Olho o ATM e há um relógio digital que marca os juros em dinheiro, a cada segundo, que devo por ter aquela dívida. E o número vai crescendo rapidamente até eu ficar bastante angustiado. Tento usar o telefone, e nada.

Acho que há alguma relação com a minha vida em geral, bastante na verdade. Mas não posso negar também que posso ver o pesadelo como uma não metáfora, já que tenho mesmo pavor viceral de caixas eletrônicos, e todos os outros procedimentos bancários possíveis.