Sunday, January 28, 2007

O teste. (rascunho)

Ela olhando-o com os olhos semicerrados afirmou uma pergunta que para ela parecia decisiva.
Disse:
- Talvez num outro contexto nada disso teria acontecido entre agente.

Ele ouviu fazendo força para não concordar. Nada jamais poderia acontecer num outro contexto. Os outros contextos não existem, e não existindo, tampouco pode existir qualquer coisa inserida nele. É lógico. Não é que nada teria acontecido num outro contexto, a verdade é que nem o nada poderia acontecer ali. Deixemos os outros contextos nos outros mundos, nas outras dimensões.

Mas prosseguira com seu raciocínio, pensava porque as pessoas se preocupavam com o que não existia, com os malditos contextos, com as escolhas que não escolheram, com os lábios que vizinhos não se encontravam, com o seco adeus na porta da festa, em vez de se preocuparem com aquele próprio contexto em que estavam, seja por força do destino ou do acaso. E já que estavam lá, de frentes um pro outro, meio bêbados, meio frágeis, qual era o propósito daquela pergunta fácil? Continuava querendo concordar com ela.

E se concordasse e falasse que o seu sentimento por ela era algo condicionado pelas circunstâncias, e absoluto, puro é que não era? e se pedisse licença para ir ao banheiro, lavar o rosto? Ganharia tempo. Foi que nun instante percebera que estava sob um teste. A sua presunção de que naquele momento, nada que eles dissessem um ao outro faria algum sentido racional,lhe dera a dica de que olhando para ela, era a hora de dizer irracionalidades. E falou-a das mais sinceras e belas irracionalidades deste mundo:

- Não posso concordar com você, Clara. Não posso parar de pensar que se te visse passeando na rua como estranha, e que nunca tivesse a menor chance de conhecer-te, eu mesmo assim ainda iria te parar, ou que um acidente de carro não aconteceria bem na nossa frente, fazendo-nos socorrer juntos as vítimas do desastre. e se tu fosses uma pobre, e eu um rico, ou o contrário, ou se tu fosses uma chinesa, eu um mercador europeu, e se tu fosses uma flor e eu uma criança, eu teria a decência de me apaixonar por ti, e não digo que é destino, nem acaso, pois não se trata disso. Olhar-te e apaixonar-me por ti é cumprir um dever que tenho com a vida, e com o amor, e qualquer situação em que eu não fizesse isso, estaria sendo menos eu, e o mundo derramaria uma lágrima triste, desesperado mais uma vez por alguém não ter sido si mesmo.

Ela abriu os olhos e se aproximou, beijando-o delicadamente.