Wednesday, September 06, 2006

Cotas raciais e direitos humanos

Houve um comentário sobre quando me declarei favorável às cotas raciais. Houve também quem me cobrasse por esclarecer meus argumentos sobre a questão. Prefiro fazer isso aos poucos para não escrever nenhum tratado sobre o assunto, pois não é o meu objetivo. Quero é que entendam a complexidade que há nessas coisas, e o quanto de falso acabamos assumindo sem refletir.

Aproveito esse post para refletir sobre duas questões: Por que cotas raciais são legítimas (se são necessárias é outra questão que discutirei depois) e Por que cotas raciais em vez de cotas sociais ou para escolas públicas.

Em primeiro lugar. Façamos uma reflexão sobre a história. Voltemos à revolução francesa, à revolução americana e à declaração dos direitos do homem da ONU em 48. Todas elas de alguma forma afirmaram a igualdade formal entre os homens, por serem todos racionais e livres etc. O direito de ser reconhecido como homem por outro homem parece-me a base fundamental dos primeiros direitos humanos, como se fosse um pré-requisito universal no trato de todos os povos, seja ele inimigo ou amigo, rico ou pobre, de qualquer etnia. Direitos humanos, segundo Hanna Arendt não são estanques, eles mudam para melhor ou pior ao longo do tempo. è o que acontece se comprarmos a idéia de direitos humanos em1789 e em 1948.
Eu pergunto: Deveríamos, sabendo que é possível progredir em matéria de direitos humanos, parar por aí? Devemos aceitar a igualdade formal e deixar de buscar uma igualdade de fato?
Na minha humilde opinição creio que não.

Um novo direito humano que surgiu no século XX foi o chamado direito a diferença. Além do direito de sermos iguais, que nos uniformiza, temos, humanos, o direito a nos diferenciarmos dos outros, pois é assim que se forma a identidade. E qualquer situação em que eu, ao afirmar a minha identidade cultural for reprimido, isso é um desrespeito aos direitos humanos.

Alguém parou para pensar nesse culto obsessivo em alisar o cabelo que os brasileiros têm? E a velha questão do capitão do mato, que era negro, mas caçava escravos fugidos a fim de sustentar um a primazia social daquels que lhe oprimiam?

Vejo que o assunto começa a ficar interessante. Visto que não se deve coibir alguém de afirmar sua identidade cultural, ou por ser diferente, temos um novo conceito de igualdade e de discriminação. "Discriminação é quando em situações iguais somos tratados de forma diferente e em situações diferentes somos tratados como iguais." Essa é a difinição presente no documento contra a discriminação da mulher da ONU.

Ora, vão me dizer agora que um negro está em condições iguais a um branco na hora de fazer o vestibular!? O vestibular é então, por definição, um mecanismo de discriminação.
São tantas outras as instituições que tem essa função no Brasil. Na Anérica Espanhola era proibido por lei a um homem nascido na colonia ocupar cargos administrativos. No Brasil oo acesso a terras sempre foi restrito a determinados grupos de pessoas. E por aí vai. Querem que eu coloque o argumento dos 300 anos de escravidão negra? Daqueles que são mais parados em blitz policiais e que mesmo sendo ricos são impedidos de entrar em condominios de luxo?

Calma... Eu acabei de falar que não podemos apenas criar direitos humanos que proibam a discriminação, que prendam o racista, pois assim só temos a igualdade formal. Para se ter a igualdade de fato precisamos de políticas e instituições que PROMOVAM esta igualdade de fato. é aí que entram as políticas de ação afirmativa. Por isso elas são legítimas do ponto de vista conceitual.

2) A miscigenação é a maior farsa da história do Brasil. Sem dúvida que há miscigenação, mas não da forma que ela nos é vendida. O pardo, o mulato no Brasil é visto como uma gradação do negro para o branco, não, infelizmente, uma raça autêntica, como pode advogar algum entusiasta do homem cordial.
Em toda a história dos povos da américa esse argumento da nação parda foi usada para iludir a mente daqueles que viam um problema racial no país. A questão não é se o Brasil é um país racialmente dividido ou não, mas que há desigualdade entre brancos e negros, isso há.
Sabe-se hoje que os negros talvez não sejam nem 7% da população. Entretanto, socialmente, tudo gira em torno do quanto se é negro, daí a necessidade do foco ser o negro. E a expressão "pé na cozinha"? Poderia haver canela na cozinha, joelho, e até a cabeça.
Falar em negros e brancos é uma impropriedade. Não existem raças. Mas se a exclusão social está associada a critérios raciais, porque não podemos usar os mesmos critérios para a inclusão? Será que é isso o que vai destruir nossa sociedade? É possível ou viável adotarmos outro critério?
Não chegou a hora de uma nação como a brasileira vestir a camisa da promoção da igualdade de fato, e dizer bem alto: "Nós, Brasileiros estamos dispostos a acabar com o racismo e com a desigualdade, para viver em uma nação onde as crianças não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter"?

Digo com toda a certeza a vocês que quando desviamos a política para cotas sociais ou de escola pública, todo esse propósito simbólico se perde. Em termos práticos é a mesma coisa, pois os negros são maioria entre os pobres e entre os estudantes de escola pública.

A associação de políticas de inclusão social com a discrminação é absurda. É dizer que dar universidade a alguém que nunca iria ter a oportunidade de estudar é discriminar.
Por acaso vai sair carimbado na testa de alguém que ele é cotista, vai sair no diploma, por acaso? Não são todos os negros que serão cotistas, os que têm nota suficiente entrarão pelo sistema universal, não há sentido nessa proposição. E outra: estando lá na universidade, que é um espaço público, finalmente quem soferer discriminação vai poder ter voz para alguma coisa e discutir a questão da tolerância a outras culturas na universidade. A UnB observou uma diminuição dos casos de racismo depois da implantação do sistema de cotas.

Não vou entrar no mérito de outras questões relacionadas. Mas parece-me óbvio que cotas raciais são melhores para diminuir o racismo(!!!) do que cotas sociais. Sempre dependendo da forma que são implantadas, como mencionei no post anterior.
O que acontecerá com os brancos pobres? Os brancos pobres sofrem discrminação por serem negros? Ora, há algo errado, não?Política é escolha, os brancos pobres não estão na questão do racismo, mas em outra, aliás em muitas outras em que o Brasil é um desastre.
Precisamos definir a hora em que vamos tentar ou não acabar com o racismo

É muito fácil dizermos para esperar o ensino básico melhorar. não somos nós que temos 18 anos e nunca vamos poder sonhar com a universidade mesmo.

* políticas de ação afirmativa são temporárias por definição, como se coloca no documento da ONU.

7 comments:

A Esquesita said...

Concordo com o Buster...
O vestibular é uma prova que mede o quanto vc aprendeu no ensino médio e se vc é capaz de acompanhar o conteúdo do ensino superior. Logo, a bolsa deve ser para aqueles que não tiveram condições de faver um ensino médio bom e nunca teriam oportunidade de ingressar numa faculdade.
Os negros, ricos ou pobres, tem a mesma capacidade intelectual que os brancos. Acho que o que deve ser priorizado é a oportunidade que ele teve. Concordo também que o racismo seja combatido, mas não em forma de cotas para faculdades.

Abraço, Anna Luísa.

Diogo Bardal said...

Novamente, a questão do sentido dessas políticas é primordial.

Tirar do foco a questão do racismo é mais uma vez negligenciá-lo. Ser abrangente transforma a qeustão em outra.

E eu pergunto, qual a população segregada culturalmente que predominantemente vai se incluir com as cotas sociais?(vale lembrar 70% dos indigentes são negros, 70% da população carcerária,, 60% dos pobres, dos miseráveis) Os negros. Mas fizemos isso sem dizer que tentamos promover o fim do racismo, Quão hipócrita é isso?

é preciso acabar com isso de "vou pegar a vaga de alguém". Ninguém tem vaga garantida no vestibular, o modo de ingresso não pré-seleciona ninguém. Um branco nao tem o direito de passar no vestibular, isso não existe oras. As cotas redefinem o modo de ingresso, e isso nao acaba com o direito de ninguém. As pessoas falam como se passar no vestibular fosse um direito adquirido.

Anna, novamente, o vestibular não é isso. O vestibular é um mecanismo de seleção.
Se eu sou bom e tenho capacidade de entrar na universidade e eu posso não passar. Um mecanismo de seleção não cria direitos, não é só pq eu sou bom que eu vou passar. Ele é meramente um mecanismo. A seleção presente nele deve elaborada de acordo com o que pensa a administração pública ser melhor para o país.


"concordo que o racismo seja combatido, mas não com cotas universitárias" é o mesmo que dizer

"concordo que a aids seja combatida, mas sem obrigar ninguém a usar preservativo"

A Esquesita said...

Eu nesse axato momento estava pensando em como te contrariar e manter minha opinião...

Aí eu pensei no exemplo que vc disse sobre a AIDS.
Eu retrucaria: "Mas o preservativo é a única forma de combater a AIDS, já o racismo tem outras formas de combater, como por exemplo..."

Foi aqui que eu parei e pensei, eu diria que arrumando mais empregos a eles, mas como um negro vai conquistar um bom emprego se ele não fez uma boa faculdade?

Por mais estranho e novo que isso possa parecer pra mim, eu mudei de idéia!!!

Eu não consigo ver forma mais eficiente de combate ao racismo do que com cotas universitárias.
Confesso que de vez em quando ainda penso em algo para condenar as cotas, mas sempre chego à conclusão de que é realmente o primeiro passo para combater definitivamente o racismo.

A Esquesita said...

Bio, eu te adoro muito!!!
Vc é a pessoa mais amiga do mundo!
Beijão!

A Esquesita said...

Gostei muito do que o Chico falou, e eu concordei com muitas coisas tbm!!!

Diogo Bardal said...

Chico, você deu uma volta e saiu da questão central. Afinal os negros devem ou não receber discriminação positiva no sistema educacional?


Pelo que eu li, vc acha que sim, mas apenas nas escolas, não nas universidades, então qual é o grilo?

Mas ao se fazer nas escolas e não nas universidades estamos perdendo a dimensão da aceleração do processo, que é que o cara com 19 anos hoje pode ter acesso, e não epserar seu filho tê-lo.

na parte do que vc defende:
Você só está falando que além disso é preciso haver outros tipos de políticas, o que eu não discordo, aliás, não disse que cotas raciais são o que salvará a pátria.

É ridícula a discussão de que se deve incentivar a tolerância já na escola, e que se deve melhorar o ensino básico. Isto é óbvio.

é óbvio também, que usar de políticas que acelerem esse processo de inclusão do negro é uma boa combinação com a melhoria do ensino básico.
Já dizia que florestan fernandes que o racismo só pode ser superado quando o negro atingir o mesmo status de personalidade, de modelo estético que possui o branco.

Isso só pode ser possível com o negro sendo capaz de sustentar sua próp´ria representação como negro, tendo uma posição social importante e produtiva, capaz de criar conhecimento, isso ocorre no ambiente da universidade.

vc disse:
"No caso do Brasil o negro não tem acesso à universidade porque não pode pagar pela escola, então é simplismente incoerente que se abram vagas diferenciando racialmente indivíduos dentro da universidade quando o centro desse problema é a escola."

Você está transformando sem perceber a desigualdade racial em questão de renda, em questão econômica, e ela é mais do que isso. Você caiu na armadilha dos que dizem que a discriminação no brasil é de ordem social.

ainda que os negros tivessem acesso a escola boa porque pagam, ainda haveria discrminação (e ela só deixaria de existir quando esse nergos chegassem a universidade 20 anos depois, mas e a acaleração não é necessária?), nesse ponto sua tentativa de dizer que nos EUA a questão é outra é vai por água abaixo pq nos dois paises temos a situação em que a negritude é estereotipada, e nunca valorizada como igual. Porque o que importa, mais uma vez citando florestan fernandes é o status cultural, o padrão estético, é qual raça que não é vista como hiper sexualizada, de cabelo ruim, de preguiçosa, de que quando não faz na entrada, faz na saída e etc.

Não é porque ele não pode pagar pela escola, mas é porque a educação, de forma geral, é monopolizada por brancos.
Romper com isso na universidade na escola e nas outras instancias educacionais é o imperativo, não há nenhum tipo de incoerência. Aliás, é a pura coerência.


Se vc ler meus comentários, eu nunca falei que o conceito de raça é correto.
Mas na prática, se associa a persinalidade a cultura negra a uma séria de características fenopticas para que se concretize a discriminação. Não podemos reverter isso oras?

Anonymous said...

Thanks :)
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